terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Fernandes Figueira

"Estabelecido em 1924, o Instituto Fernandes Figueira é a unidade materno-infantil da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ).

Realiza pesquisa, ensino e assistência - principalmente no nível terciário - no âmbito da saúde da saúde da criança, da mulher e do adolescente, sendo referência mundial em tratamento em diversas doenças de alta complexidade."



"Neste local, em 1924, com o nome de Abrigo Hospital Arthur Bernardes foi criado por iniciativa de Carlos Chagas, então Diretor do Departamento de Saúde Pública do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, e de Antonio Fernandes Figueira, chefe da Inspetoria de Higiene Infantil do mesmo Departamento, o centro de excelência que atualmente conhecemos como Instituto Fernandes Figueira.
O Hospital foi criado para suprir a falta de um estabelecimento destinado ao atendimento específico das crianças. Logo, o Abrigo começou a se constituir num grande centro de pediatria brasileira e colaborador de estudos nesta área da medicina. Só em 1946, passou a chamar-se Instituto Fernandes Figueira – em homenagem ao seu patrono, falecido em 1928.
A partir daí, assumiu o papel de Centro Científico destinado a promover pesquisas relativas à higiene e à medicina da criança, estudos e pesquisas biomédicas sobre maternidade, infância, adolescência e problemas sociais correlatos.
Em maio de 1970, por força do Decreto 66.624, o Instituto Fernandes Figueira tornou-se uma Unidade Técnico-Científica da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
"

Hoje contarei um pouco sobre essa Instituição, que tem sido tão presente na minha vida familiar. 

Creio que muitos aqui saibam que meu irmão é portador de uma doença crônica, a Síndrome de Asperger (para maiores esclarecimentos: http://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%ADndrome_de_Asperger#Caracter.C3.ADsticas). Em resumo: Trata-se de uma forma mais branda de autismo.Essa definição é razoavelmente nova no Brasil, mas no exterior há bastante pesquisa nessa área. Inclusive, algumas pessoas famosas já assumiram a síndrome perante o público, como é o caso do jogador Messi.

Meu irmão vai a esse hospital há cerca de um ano e meio; lá se consulta com vários médicos de variadas especialidades. Nunca tive a oportunidade de acompanhá-lo antes, pelo menos não até esta semana, e venho contar essa experiência para vocês.

Eu poderia falar que o prédio é lindo- que parece um museu por causa da sua arquitetura clássica-, dos funcionários que atendem muito bem, dos médicos atenciosos, mas vou focalizar nos pacientes mais que especiais que eles atendem lá pois creio que foram a melhor experiência que vivenciei.

Sabe, é indo num lugar desses que aprendemos a agradecer a vida que temos. Lá encontrei crianças lindas, animadas, felizes- umas com autismo, outras com Síndrome de Down, algumas com deficiências físicas, alguns hiperativos- mas todos radiantes, brincando e sorrindo como se ali fosse a casa deles. E talvez seja mesmo como uma casa, afinal, passam boa parte de seu tempo nos corredores do hospital. E como todo lar com crianças, a bagunça é garantida.

Neste relato estão os casos que mais me chamaram a atenção. Porém há diversos outros que não caberiam nesse texto.

O primeiro caso já me esperava na entrada do hospital...

Uma menina linda, que provavelmente é autista, estava pra lá e para cá enquanto seu tio compartilhava sua história com uma mulher( mãe de uma garotinha com Síndrome de Down). Em resumo o que ouvi foi o seguinte: a mãe morreu no parto. Três meses depois o pai foi assaltado e reagiu, levou um tiro e morreu na hora. A menina acabou por ser adotada pelos tios, que, ao que parece, têm muito carinho por ela.
Reflitam que atitude nobre essa de adotá-la mesmo cientes do desafio que representaria. Quantas pessoas por aí seriam capazes do mesmo?

Depois de ouvir essa história eu reparei numa outra menina- não sei exatamente o que mais tem, mas é hiperativa sem dúvidas! Reparei nela quando passou por mim pela 90ª vez, correndo pra lá e pra cá. Era absurdamente linda! Deve ter entre 11 e 13 anos, mas já em um corpo incompatível com a pouca idade e um rosto lindo de boneca.
Uma menina que não combina com um hospital, mas não estava nada incomodada lá. Os corredores já eram familiares e ela agia como quem faz sala às visitas. Ela passava e cumprimentava alguém, então voltava e mexia com algum bebê, sentava no colo da mãe, ia à biblioteca, depois sumia e voltava pra falar com mais algum desconhecido de novo. Não pude conter o sorriso, minha mãe disse que parecia comigo: "tagarela que só!".

Ah, tinha também um adolescente com autismo, o Diego. Esse me rendeu muito tempo de observação!
Ele pegava minha mão, levantava, mexia no relógio, na bolsa, e depois na minha mão de novo. Não parava um minuto e sua mãe estava muito preocupada- afinal, do nada sumia ou mexia em algo tipo a TV caríssima pendurada na sala de espera com um aviso ao lado "Não mexa na TV, por favor". A esperteza do rapaz em fugir dos olhares da mãe era de fato cômica para quem assistia.

Depois conheci outros autistas lá. O dia foi repleto deles.

Mas um me chamou muito a atenção. Me intrigou, para ser mais exata.
O jovem juntava o polegar ao indicador, formando um círculo com os dedos; e na outra mão abaixou todos os dedos, deixando só o anelar. Ele tentava algo aparentemente simples, como encaixar o anelar no círculo que formou, mas não conseguia fazê-los chegarem perto do outro. Na mente dele devia ser algum tipo de objetos que se repeliam, haviam alguma força invisível que não os permitiam se aproximarem.
Até então OK. Logo em seguida (após várias tentativas frustradas) suas mãos começavam a tremer, ele ficou extremamente nervoso com o fracasso do experimento. Eis que o jeito era esconder as mãos e esperar se acalmar para retomar. Quando não estava fazendo isso, estava falando sozinho, rindo de piadas que só ele ouvia, às vezes ele se batia como se houvesse algo indesejado encostando nele. 


Não consegui desviar o olhar. Observei tentando absorver seus pensamentos e entender qual a lógica se passava por detrás daqueles gestos. Claro, não obtive resultado, mas a experiência não fora em vão.

Estando lá, vendo como essas crianças vivem em um mundo só deles, um mundo no qual não há essa história de deficiências e onde a estrangeira sou eu, percebi o quão aquilo tudo não fazia diferença para eles. Nós que temos o péssimo habito de julgar quem não se parece conosco. Para cada um ali, a individualidade que era o especial.

O amor das mães também foi algo realmente extraordinário de ver. A maioria delas já pareciam acostumadas com aquele lugar, já tinham amizades e passatempos. 

Todas tinham o cansaço em comum. Este se refletia em seus olhares vagos, que deviam estar a milhares de quilômetros dali; mas quando seus filhos se aproximavam, abriam um sorriso que iluminava todo o lugar e ficava nítido que não havia outro lugar que quisessem estar. 

Aquelas mães são mulheres que merecem minha admiração por cada gesto que presenciei lá, por cada olhar de carinho e amor que presenciei. Confesso que fiquei olhando, imaginando cada coisa que elas abriram mão para estar ali, a luta individual de cada uma por seus filhos, quem me dera um dia ter um amor e uma dedicação tão sincera por outra pessoa...

Ah! Tenho que relatar aqui também as pessoinhas mais lindas, gostosas, fofas e bochechudas que vi.

Duas bebês, uma não chegava nem aos seis meses e a outra devia ter pouco mais de um ano. A primeira estava no colo da mãe, tão bonita quanto a filha. Ela tem uma doença que não sei o nome mas descrevendo diria que o queixo e o pescoço são um só, inchados. Tão pequena, a mãe tão jovem... Foi isso que mais me chamou a atenção. A mãe parecia ter no máximo 23, 24 anos. E ela tinha uma postura de mulher forte, uns olhos vidrados na neném.Era uma admiração que vidrava olhares ao redor, sabe? Como se o bebê fosse o que há de mais valioso em todo o mundo e, estando com ela ali, fez com que todas as pessoas sumissem.

A outra menininha reparei enquanto descia as escadas rumo ao refeitório. A pele clara como uma folha de papel [ ps; tinham uma menina albina lá também, um amor de criança], cabelos cacheados e dourados, uma criança belíssima. Foi então que ela virou o rosto. Já viram os olhos do Corcunda de Notredame? Um olho diferente, como tivesse um caroço por dentro da pele, trazendo o olho para baixo e em direção diferente ao outro. 

Posso te dizer a verdade? Choca, choca muito. Porque ao ver uma menina assim passa logo pela cabeça: como ela vai reagir sendo assim toda a vida? O que será que ela vai passar? Será que um dia vão machucar seu coração na escola, será que alguém vai maltratá-la?
Ao observá-la minha mente vagava entre presente e futuro. Queria acreditar que ela seria bem cuidada e tratada por gente boa. Mas, sabem, o mundo não é bom. Refletir sobre isso me entristeceu de tamanha forma que interrompi o pensamento por falta de coragem.

Sabe aquela mãe com a filha portadora de Síndrome de Down que comentei no início, a que estava conversando com o tio da menina autista? Então, a menina se chama Ana e enquanto meu irmão se consultava comecei a conversar com a mãe.

A indignação foi tomando conta de mim durante a conversa... Quem me conhece já sabe: eu tenho um carinho especial por crianças com Down ( Juliana que o diga! Por sinal estou devendo um texto pra ela aqui, me lembrem de postá-lo!).
Bem, a moça começou a me contar da dificuldade de encontrar um colégio, ela a muda de escola de ano em ano. Durante a conversa a menina tinha picos de agitação e tentava fugir, se debatia, e a mãe com toda a calma fazia a menina sentar; eu me via logo ali, cuidando da Ju.
Ela me contou que a Ana tem 11 anos, assim como a minha Juliana. Ela também não sabe ler nem escrever, mas ao contrário da Ju ela não gosta de escolas, mal pega em um lápis. Isso aconteceu porque uma das "tias" foi "ensiná-la" e acabou machucando a mão, a metade da unha da menina chegou a cair. Como qualquer outra criança, e principalmente uma criança com Down, a memória da Ana alerta toda vez que chegam perto dela tentando ensiná-la. Assim, não aceita mais ajuda pois acha que vão feri-la de novo.

A mãe foi até a escola, a mulher que se diz "tia" fez o seguinte comentário :" Não sei porque crianças assim frequentam escolas, não aprendem nada mesmo." e ainda disse posteriormente que foi treinada para lidar com autismo e não Down, portanto não podia cuidar da garota. E desde então a mãe ouve relatos que a menina fica vagando pelo pátio do colégio enquanto as aulas acontecem. 

Olha, me deu uma raiva tão grande, um aperto tão forte no coração! Juro que pensei que se um dia fizessem algo assim com a Juliana eu ia cair na porrada com a tal mulher. Me considero super calma e da paz, mas nesses casos eu sei morder também... Acabei aumentando um pouco meu tom de voz e falando: "Que absurdo! Pra cuidar de uma criança assim só precisa de paciência e carinho!! Ter um bom coração não é algo que ensinam em curso não, eu hein!"
A mãe chegou a perguntar onde eu morava,  queria me contratar para cuidar da Ana. Mas elas moram perto da Lagoa, beeem longe daqui. Me partiu o coração não poder fazer muita coisa por ela. Sensação péssima essa de ser incapaz de ajudar numa causa da qual compartilha.

Eu não entendo como existem pessoas que se comprometem a trabalhar como educadoras e fazem isso com quem mais precisa de educação e apoio. Nessas horas a única maneira de me controlar é pensando numa justiça Divina... até porque se dependesse da minha coitada da mulher.

Por falar em gente que duvido que tenha coração...

Teve um caso lá que me deixou irada, e a minha mãe sem conseguir nem olhar....
Um menino, em cadeira de rodas e pelo jeito com paralisia ou algo parecido. Ele não se mexia, não falava e nem mesmo comia.  Depois de se alimentar através de vários tubos, eles foram para a sala com a TV. A cabeça dele caiu várias vezes, tive a impressão que estava tentando se ajeitar para assistir à televisão. Então a mãe vinha numa brutalidade e puxava a cabeça do rapaz para trás, de volta ao lugar. Parecia que ia desmontar o garoto- sem exageros.

Eu parei, chocada, sem conseguir desviar o olhar da cena. Não conseguia parar de questionar como aquela mulher é mãe, como ela age assim, ao contrário de todas as outras mães que lá estavam.

Pensei em tantas coisas ruins... Depois tentei até defender. Justifiquei que ela devia estar muito cansada, que o menino devia dar mais trabalho, ser mais dependente dela, do que as outras crianças ali.Enfim, tentei justificar o injustificável. Mas é difícil demais, demais, demais! Não dá pra tentar entender... Saí da sala batendo os pés, sem o menor pudor de esconder minha indignação. Fiz uma oração silenciosa pelo rapaz e fui aguardar meu irmão na saída, me poupando assim de mais cenas desse tipo.

Bem, depois de tanto escrever acho melhor cortar o assunto por aqui mesmo. Esse texto enooooorme foi porque  precisava desabafar tantas coisas novas e fantásticas que descobri indo lá. Um mundo novo para mim, onde não há isso de ser 'normal' ou ser 'igual' a todo mundo. Todas aquelas crianças vivem em seu próprio universo, com várias aventuras e descobertas que não saem de suas mentes. Cada qual com seu conto de fadas e sua ficção científica, histórias que invadiam suas realidades sem deixarem de estar nas mentes. Eles vivem no mundo que querem estar, onde podem criar qualquer cenário, ser qualquer coisa. Eles são as crianças que todos nos queríamos continuar sendo.
Estar lá foi uma lição de vida.
Depois desta segunda-feira os meus dias mudarão, e disso tenho plena certeza (perdoem a redundância rs).

Nesta segunda eu descobri que preciso mais deles do que eles de mim. Não dá pra ser a mesma Rachel depois disso.

2 comentários:

  1. É isso ai Quel. Sempre me perguntei o por que de Deus ter colocado a Ju no seu caminho, e ainda tem o seu irmão. Mas acho que está claro agora. Você desenvolveu uma boa experiência com eles e agora deve usá-la. Se você acha que deve ser uma voluntária, se esse é o desejo do seu coração, vá em frente, eu sei que você pode fazer muito, abençoando e sendo abençoada. To muito feliz por você ter um pensamento tão nobre, de verdade. Boa sorte em qual seja a decisão que você tomar. Que Deus esteja com você.

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  2. Nuss...emocionante msm...O amr q vc relatou dessas mães pelos filhos é realmente uma lição de vida.E todos em geral que vivemos reclamando, temos que parar e ver esses exemplos para ver se voltamos a realidade. Vc aprendeu muito com a Ju quell, acho q vc deve sim ir em frente. E quanto a essa mãe q não trata o filho bem...bom, um dia ela aprende. Deus sabe o que faz...

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